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Semana 17/08/15 - 23/08/15

 

Pensei que tinha visto

 

Pensei que tinha visto. Pensei que tinha visto a mulher da minha vida. Aquela com quem partilharia tudo (ou quase tudo), aquela que me sussurraria ao ouvido todas as noites, aquela que me receberia com um beijo assim que chegasse do trabalho. Nunca idealizei a idealidade, nunca objetivei um objetivo. Pensei que no momento saberia de quem seria esse lugar. E naquele momento eu soube de quem era esse lugar.

           

Na praça Maria Theresa, os meus olhos focaram um ponto, ou melhor, vários pontos que se conjugavam formando uma figura magistral. O cabelo preto desalinhado esvoaçava selvaticamente, o vestido vermelho recortado pelos joelhos e um tanto decotado dava cor aquele dia tão morbidamente cinzento. Segurava um cigarro entre os lábios, enquanto retirava da pequena pochete escura o isqueiro cor de prata. Acende o vício delicadamente, olha para os lados como se procurasse alguém, mas acaba por sentar-se numa mesa de esplanada. O empregado abeira-se e pergunta algo em alemão. Responde fletindo os lábios vagarosamente e em jeito de sedução. Dez minutos mais tarde, levanta-se e dirige-se a um beco recôndito mesmo ao fundo da praça. Persegui-a, atrasando-me um pouco para não dar nas vistas, recompus a gravata e tentei acompanhar os passos daquela mulher mistério. Pensei que tinha visto a mulher da minha vida. Sob saltos-altos andava a um ritmo mistificante e sorria timidamente para quem passava. Meteu-se então por uma ruela pequena, a calçada ainda húmida e escorregadia, e desce as escadas em declive parecendo fugir de alguém. Seguia eu tão fascinado que acabei por tropeçar e ser ouvido. Virou-se para trás e viu-me. Virou-se para trás e em vez de desatar numa correria assustada, soltou uma risada contida e continuou a caminhar. Levantei-me e sacudi-me num ápice, continuando no seu encalço.

 

Foi então que quando virei na esquina seguinte estávamos de volta à mesma praça. Passei as mãos pelo rosto e reparei que estava sentado na mesa de uma esplanada. Abeirou-se de mim um empregado e perguntou alguma coisa em alemão, fiz um gesto em jeito de negação e passados dez minutos levantei-me, dirigindo-me a um beco ao fundo da praça. Passei então por uma estátua que chamava à atenção. De cabelos pretos e vestido vermelho, aquela mulher de pedra dava cor ao dia cinzento. Pensei que tinha visto. Pensei que tinha visto a mulher da minha vida.

 

Fernando Gil Teixeira

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